Os espíritas brasileiros provavelmente não sabem que Allan Kardec é um desconhecido aqui na França e que seu nome verdadeiro é Hippolyte-Léon-Denizard Rivail!

Na verdade minha afirmação não é baseada em estatísticas, mas nas perguntas que fiz aos meus amigos afim de saber se eles conheciam Allan Kardec e a doutrina espírita como nós no Brasil. E para minha surpresa, eu vi na cara deles uma expressão do tipo: que diabo é isso?!

Ora, ora, se trata dele: Hippolyte-Léon-Denizard Rivail mais conhecido, ou só conhecido, como Allan Kardec, um francês nascido no dia 3 de outubro de 1804 na cidade de Lyon. O pai incontestável do movimento espírita propagado principalmente no Brasil e que fundou a doutrina espírita: ”Como assim vocês nunca ouviram falar dele?” Existe uma religião no Brasil baseada em tudo que ele disse, escreveu, desenhou, profetizou, etc, etc…

Pois é, como 99% dos brasileiros eu acredito em Deus ou em algo mais (Deus com letra maiúscula sim, por favor! Pois se trata do verdadeiro, então muito respeito e muito cuidado com o que vai sair dizendo para não blasfemar!)

Interessante como uma das primeiras diferenças que eu notei entre franceses e brasileiros é essa relação com a esfera religiosa.

Chega a ser até irônico, que num país aonde você pode encontrar igrejas incríveis como a Notre Dame ou ainda a Sacré Coeur, curiosamente os franceses não parecem ter nenhuma atividade religiosa.

Algo como ir à missa, ao culto ou ao centro espírita para rezar, rachar no glória, tomar um passe, fazer uma desobsessão ou ter uma aulinha de médium, definitivamente são coisas que fazem parte de uma cultura totalmente alien para os franceses.

E a minha ficha só começou a cair quando eu conversava com as pessoas e falava coisas do tipo:

”Ah, se Deus quiser, né! Graças à Deus! Ai meu Deus!” Então eu via a cara de interrogação que eles faziam para mim, do tipo: WTF?! Do quê você tá falando?

Bom, levou um tempo para eu entender que falar o crentês, o catoliquês e o espiritês não rola por aqui. Os franceses não atribuem aos céus as coisas boas que acontecem na vida deles e nem tão pouco dão créditos ao maligno pelas desgraças que eventualmente aconteçam.

Eles são um povo pragmático, que pensam muito, fazem muitas perguntas para tentar entender o porquê das coisas e não se satisfazem com uma única resposta.

Eles são um povo pragmático, que pensa muito, faz muitas perguntas para tentar entender o porquê das coisas e não se satisfaz com uma única resposta.

Se eu tivesse que tirar uma outra estatística da minha imaginação, eu diria que aqui: 99% das pessoas são agnósticas ou ateias, enquanto que 1% frequenta de vez em nunca a missa do domingo da igreja católica, (claro!), porque mesmo se o Hipólito foi o precursor do espiritismo, bem… esqueça essa história pois por aqui ele não tem a fama toda que tem no Brasil e em 6 anos eu nunca vi um centro espírita em Paris!

Mas a minha estatística imaginária e oriunda de preguiça crônica sobre a verdadeira divisão de religiões na França, não pode me dominar! Então encontrei uma fonte com algumas estimativas, pois aqui na França não se pode sair por aí fazendo pesquisa sobre religião, a França é um estado laico. (Vou desenvolver melhor esse assunto num outro post sobre a República francesa). Aqui estão algumas estimativas sobre as religiões na França:

Religiões na França

Observação : 99% dos brasileiros é também uma estatística tirada da minha imaginação, eu nem sei se existem estudos confiáveis sobre o assunto. Em todo caso, em respeito ao grupo de agnósticos e ateus brasileiros dos quais, diga-se de passagem, meu marido faz parte, eu reservei 1% da minha estatística imaginária! Mas aqui vai uma estimação tirada da Wikipédia:

Religiões no Brasil (Censo 2010) Wikipédia

Felizmente ou infelizmente, no nosso país tem muito mais gente acreditando em tudo e não importa o quê em termos de religião (92%), enquanto que na França uma das estimativas sobre as pessoas sem religião chega à 45%, o que honestamente me parece bem plausível.

Na verdade esse é o ponto que mais me interessa nesse post: Porque no Brasil tem tanta igreja? Tanto crente, tanto católico, tantos protestantes, macumbeiros, tanta gente com tanta fé?

Aliás o que é fé exatamente? Alguém já olhou essa palavra no dicionário? Eu fiz isso hoje!

Aqui vai uma tradução do Larousse 2014 ilustrada:

FOI (Fé) n.f.(do latim, fides, confiança). 1.RELIGIÃO: Crença em Deus, em um dogma, doutrina religiosa. 2.Confiança em alguém ou em alguma coisa: Eu tenho uma fé absoluta nela. Ele tem fé nessa política. 3. LITERÁRIO: Compromisso ao qual nós nos engajamos à ser fiel à uma promessa: Violar a fé da amizade. BOA FÉ (DIREITO): Crença errônea na existência de um direito ou de uma regra jurídica, por ignorância ou seguida de uma enganação. OCUPANTE DE BOA FÉ: atitude de alguém que fala ou age com a convicção de ser honesto e respeitar a verdade. FAZER FÉ: estabelecer uma maneira indiscutível, provar: O carimbo do correio faz fé. LINHA DE FÉ: linha de um instrumento ótico que serve para observar com precisão. MINHA FÉ: fórmula usada para apoiar uma proposta: é a minha fé verdadeira! Você previu? –Minha fé não, eu esqueci ! MÁ FÉ: desonestidade de alguém que faz afirmações falsas. SEM FÉ NEM LEI: sem religião nem respeito à lei humana.

E aqui vai uma transcrição do meu querido Aurélio de 1994, que guardo com muito carinho:

FÉ n.f. 1. Crença religiosa. 2. Conjunto de dogmas e doutrina que constituem um culto. 3. Rel. A primeira virtude teologal: adesão e anuência pessoal à Deus, seus desígnios e manifestações. 4. Firmeza na execução de uma promessa ou compromisso. 5. Crença, confiança. 6. Asseveração de algum fato. 7. Testemunho autêntico que alguns funcionários dão por escrito acerca de certos atos e que tem força em juízo. FÉ PÚBLICA : presunção legal de autenticidade, verdade ou legitimidade de ato emanado de autoridade ou de um funcionário devidamente autorizado, no exercício de suas funções. DAR POR FÉ. 1. Afirmar como verdadeiro; certificar. 2.Garantir, por encargo legal, a verdade ou autenticidade do conteúdo de um documento ou relato; portar por fé. FAZER FÉ: 1. Ser digno de crédito, 2. PRESTAR TESTEMUNHO AUTENTICO. Portar por fé: Dar por fé.

Agora porque todo esse discurso que começou em Allan Hipólito Kardec, passando pela divisão de religiões no Brasil e na França e a definição da palavra “fé” encontrada no dicionário francês e no brasileiro?

Bom, essa viagem cultural termina numa reflexão ao respeito da força e da impotência que a FÉ carrega consigo.

Força porque quem tem fé vai longe, não desanima, não se abate facilmente, porque a fé alimenta seu coração e cura as dores das injustiças dessa vida, que a gente espera por fé, que Deus, a santa, o caboclo, o guia, o que quer que seja em que você acredite te dará essa força que você não teria, se não tivesse fé.

E por outro lado, a grande fraqueza de se ter FÉ é que você se torna impotente diante da vida. Porque na igreja você ouviu que o Senhor ia te libertar e que você não pode pôr a mão na obra Dele, ou então, porque você encomendou um trabalho com um bom pai de santo e tem que esperar os resultados, ou ainda porque você não pagou a sua promessa, ou não pagou o dízimo, ou está esperando, por fé em algo que te deixou paralisado.

E aqui está a grande, enorme diferença entre os franceses e os brasileiros: Enquanto a gente tem fé e espera Deus vir ao nosso socorro, os franceses em 1793 cortaram a cabeça do seus rei e rainha.

Aqui a gente não espera nada vir do céu, aqui os franceses saem nas ruas e tocam o terror pra fazer valer o que eles querem. (Vou escrever um outro post que exemplifica isso melhor: sobre o que eles fizeram quando o governo inventou um novo imposto chamado ECO-TAXA, que não passou porque eles se rebelaram).

Para concluir: A fé do brasileiro é pura, linda e ingênua e infelizmente rende o povo escravo das religiões. A gente espera que Deus ou uma outra entidade faça o nosso trabalho e nos liberte, mas na verdade, somente nós temos o poder de nos libertar.